Acordo de sócios: como prevenir e tratar conflitos em empresas familiares
Certa vez ouvi de um professor uma frase impactante: disse ele que as empresas familiares nascem com um câncer que as acompanhará para sempre e que deve ser permanentemente tratado e monitorado sob pena de as vencerem. Exageros e figuras de linguagem a parte, tenho visto que não são poucos os conflitos que permeiam essas relações. Trata-se de uma eterna tensão, ora a família ameaçando o negócio, ora o negócio ameaçando a família.
O principal instrumento para administrar esse problema, a meu ver, chama-se acordo de sócios. Alguns o denominam de protocolo familiar, pacto familiar, constituição familiar, etc. O nome não importa, o mais importante é o conteúdo. Trata-se de um instrumento escrito que de modo bastante resumido busca antecipar e estabelecer soluções para possíveis conflitos. Estas soluções tem como principal objetivo proteger o negócio da família e proteger a família do negócio.
Por onde começar? Pela base: o que queremos e o que não queremos; os compromissos que assumimos para isso; e a visão de futuro que compartilhamos. Estabelecidos estes pressupostos que são direcionadores de todo o resto, passa-se a entrar em aspectos mais concretos, como por exemplo:
- Como ocorrerá a sucessão na gestão e no patrimônio
- Quais serão as alçadas de decisão
- Como se entra e como se sai desta sociedade
- Quais as políticas de investimento, remuneração de sócios e remuneração de administradores
- Como apurar o valor do negócio
- Se familiares ou agregados poderão ingressar na sociedade e quais as condições para isso
- Uso do patrimônio comum
- Regras de convivência
- Regras de prestação de contas e transparência
Em realidade há uma infinidade de questões que podem compor esse tipo de acordos e o perfil das soluções adotadas por cada qual não obedece a um padrão imposto por terceiros. Já vi, por exemplo, acordos que funcionam muito bem vedando terminantemente o ingresso de agregados (genros, noras, cunhados) na gestão dos negócios e acordos em que não só isso é permitido como uma destas pessoas foi de fato legitimada por todos para conduzir a gestão do negócio.
Um dos erros mais comuns que tenho visto ser cometido por muitas famílias que contratam serviços relacionados a “sucessão familiar” ou “governança corporativa” é justamente a adesão a orientações e modelos pré-concebidos sugeridos pela consultoria responsável. Tais acordos carecem de legitimidade perante os envolvidos que quando eventualmente confrontados por ele, recorrem ao caminho da litigiosidade, justamente o caminho em que todos tendem a perder e que, portanto, busca-se evitar.
A família tida como um todo deve ser protagonista do acordo. Seus termos e condições devem refletir a justa medida entre as tensões e interesses que cada um representa. Deixar que a pauta das reuniões seja dominada pelo “juridiquês” que ninguém entende é o caminho mais rápido para o fracasso. Um bom acordo de sócios é antes de tudo um reflexo do comprometimento das partes em estabelecer regras para o jogo, não regras que favoreçam individualmente uns em detrimento de outros, mas regras que cheguem a um meio termo.
Os mais velhos tem um papel crucial neste processo. Há acordos que só podem ser feitos com a presença deles, emprestando para isso a experiência, a liderança, a maturidade, a serenidade e a legitimidade que detém sobre os demais. Por isso a realização um acordo familiar nunca será prematuro, ainda que tenha que ser revisto mais adiante. Por isso, adiar o processo ou confiar na capacidade de improviso ou entendimento das partes é outro erro frequente.
Quando participo da prospecção de investidores para alguns clientes, uma das primeiras perguntas que ouço dos prováveis investidores é “a empresa tem governança?”. Os investidores não querem colocar seu dinheiro em empresas vulneráveis a conflitos familiares para cuja solução dependam de improvisos ou intervenções longas e custosas do Poder Judiciário. Quem conhece o mercado, seja de terras seja de empresas, sabe também que quando há uma briga entre os sócios ou proprietários, os potenciais adquirentes regozijam-se com a expectativa de um bom negócio.
O mesmo raciocínio deve ser aplicado a cada familiar. Você realmente acha que vale a pena dedicar os melhores esforços de sua juventude em prol de um negócio que estará sujeito a perecer frente a um litígio familiar mais adiante? Não seria mais racional estabelecer as regras do jogo e ter previsibilidade quanto ao futuro? Da mesma forma, cabe aos mais velhos questionar-se: terá valido a pena trabalhar tanto para deixar conflitos e litígios aos que ficam?
Ricardo Paz Gonçalves