Ajuste fiscal, doações e grandes fortunas…
O notório fracasso da política econômica do governo Dilma, marcada pelo desenvolvimentismo e protecionismo, escancarou um déficit fiscal cuja continuidade põe em risco conquistas históricas do país, notadamente a estabilidade econômica e o controle da inflação. Reconhecendo o completo fiasco de sua política econômica, estrategicamente após a agenda eleitoral, a presidente teve de recorrer a um homem do mercado, o ministro Levy, para tentar pôr ordem na casa.
Entre as medidas cogitadas pelo ministro Levy e pela chamada “Agenda Brasil”, proposta pelo Senado, estão as mudanças na tributação das heranças e doações e a instituição do imposto sobre grandes fortunas. Tais medidas têm um impacto potencial fortíssimo sobre a forma como boa parte dos empresários e famílias organizam-se patrimonialmente e reforçam bandeiras que nós da Affectum vimos sustentando há muitos anos, dentre elas as necessidades de se planejar a sucessão e a organização patrimonial das famílias empresárias.
Ao longo de décadas trabalhando com estas duas questões (sucessão familiar e organização patrimonial), desenvolvemos e adotamos uma série de técnicas e recomendações nas áreas jurídica e contábil, que visam a auxiliar no planejamento tributário e proteção patrimonial de nossos clientes. Estas medidas visam a prevenir a tendência natural ao perecimento ao longo das gerações a que estão submetidas as empresas e patrimônios familiares. Se implementadas na íntegra, as medidas cogitadas pelo governo federal, presenciaremos uma verdadeira revolução neste tema.
As heranças hoje são tributadas unicamente pelos Estados onde estão situados os bens objeto de herança. No Estado do Rio Grande do Sul, por exemplo, as heranças são tributadas a uma alíquota de 4% sobre o valor do bem, cuja avaliação é procedida pela exatoria estadual no momento do inventario do falecido proprietário dos bens. O herdeiro, após pagar o imposto sobre transmissão causa mortis, ou ITCMD como é conhecido o imposto estadual, declara o bem doado perante a Receita Federal sem a incidência de imposto de renda sobre o acréscimo patrimonial que teve.
As doações, assim como as heranças, são tributadas exclusivamente pelos Estados e isentas de imposto de renda. As alíquotas estaduais para o caso das doações são normalmente ligeiramente mais baixas do que as alíquotas sobre a transmissão causa morte (3% no caso do Rio Grande do Sul).
A ideia que vem sendo repercutida pela equipe econômica é de a União passar a taxar as heranças e doações em um modelo que se assemelhe ao praticado em países como Estados Unidos e Reino Unido. Para que se tenha uma ideia, nos Estados Unidos a tributação das heranças varia de 20% a 40%. Para ser adotada essa medida ainda precisa enfrentar uma séria de barreiras jurídicas impostas pela Constituição Federal porém, além de ser a preferida da equipe econômica, ela conta com a simpatia de uma série de economistas. Uma das medidas da “Agenda Brasil” proposta pelo Senado é aumentar para 25% a alíquota máxima deste imposto.
Já o Imposto sobre Grandes Fortunas está previsto na Constituição Federal e sua instituição, do ponto de vista jurídico, seria simples. Já existem, inclusive, ao menos três projetos de lei na Câmara dos Deputados tentando regulamentar a matéria. Em todas essas propostas, a ideia é tributar anualmente a uma alíquota progressiva o patrimônio daqueles que sejam considerados detentores de fortuna. Em 2008, durante os debates da reforma tributária, a bancada do PT apresentou uma proposta com taxação entre 0,5% e 1% para patrimônios acima de R$ 12 milhões, no entanto naquela oportunidade o projeto não foi a frente. Existe ainda outro projeto, segundo o qual para patrimônios de R$ 2 milhões a R$ 5 milhões, a taxação será de 1%. Entre R$ 5 milhões e R$ 10 milhões, 2%. De R$ 10 milhões a R$ 20 milhões, de 3%. De R$ 20 milhões a R$ 50 milhões, de 4%; e de 5% para fortunas superiores a R$ 50 milhões.
A tributação de grandes fortunas incita paixões relacionadas à velha e anacrônica retórica da luta de classes e, por isso mesmo, é a menina dos olhos de sindicalistas e partidos de esquerda. O contexto econômico atual onde a reforma fiscal impõe à sociedade como um todo sacrifícios em prol da estabilidade econômica trouxe à tona novamente a regulamentação deste tributo.
Contra este tributo pesa o argumento de que ele afugentaria investidores e serviria como desestímulo ao ingresso de capitais e investimentos no país. Alega-se, ainda, que ele poderia provocar uma fuga de capitais do país e que outros países aboliram tal forma de tributação. Esses argumentos, entretanto, são frágeis diante da falta de embasamento técnico e da possibilidade alguns inconvenientes serem devidamente contornados através da calibragem das alíquotas e regulamentação adequada.
Parece-me certo que a carga tributária atual estrangula a iniciativa privada e que a criação ou aumento de impostos, quaisquer sejam suas feições, representam um retrocesso para a competitividade e eficiência da economia nacional. Convivemos, hoje, com uma carga tributária que ronda a marca dos 40% do PIB e dados do SINPROFAZ dão conta de que se não houvesse sonegação, a relação carga tributária/PIB seria 8,6% maior, o que nos leva à conclusão de que nosso sistema tributário é projetado para arrecadar quase a metade do que produzimos, o que só não ocorre por conta da sonegação.
Não bastasse isso, nossa legislação contamina de insegurança qualquer um que pretenda empreender. Gastamos muitas horas, dinheiro e envolvemos muita gente apenas para efetivar a tarefa de calcular o quanto devemos a título de tributos. Convivemos com legislações conflitantes, confusas, instáveis, inconstitucionais e com a briga entre União, Estados e Municípios pela titularidade de nossos tributos.
Bom, neste contexto de complexidade kafkaniana e de taxação que beira o confisco a solução que estamos discutindo é a criação de um novo imposto? Ora, não precisa raciocínio muito acurado para concluir que a medida contribuirá exclusivamente para o agravamento deste quadro. Poderíamos, sim, discutir a criação do IGF e mudanças na taxação das heranças e doações, mas essa discussão deveria vir acompanhada de uma reforma tributária ampla, onde hajam compensações e mudanças na matriz tributária que compensassem o aumento da carga tributária e neutralizassem a complexidade da legislação atual. Sem isso, somente faremos agravar um quadro de crescente insanidade.
Do ponto de vista dos particulares, empresários e cidadãos que se submetem a tal ambiente de instabilidade e incerteza, considerando que as regras tendem a se tornar mais duras e a taxação mais onerosa, mais do que nunca se faz necessário sentar e planejar a utilização de instrumentos jurídicos que, hoje, estão a sua disposição.
Ricardo Paz Gonçalves