Gestão eficaz nos tributos
Vem ganhando certa notoriedade no meio do agronegócio a realização de uma modalidade de planejamento tributário destinada a produtores rurais que operam por meio de pessoa física que promete resultados expressivos em termos de redução de carga tributária no âmbito do imposto de renda. Em alguns casos esse planejamento é vendido quase como um produto de prateleira, com a alcunha de mix tributário. Pretendemos nas breves linhas a seguir desmistificar o assunto alertando para as reais oportunidades existentes por trás do tema e ainda para os riscos decorrentes da mercantilização de serviços desta natureza.
Em que consiste o planejamento
Basicamente o planejamento consiste na transferência, mediante integralização, da propriedade dos imóveis rurais da pessoa física para uma pessoa jurídica existente ou constituída para este fim, com a posterior celebração de um contrato de parceria entre a pessoa física e a pessoa jurídica através do qual esta cede àquela a posse dos imóveis mediante a remuneração correspondente a um percentual da sua produção.
Através deste contrato de parceria a pessoa física deixa de tributar em seu nome esse percentual de sua produção, que passará a ser tributado pela pessoa jurídica, mantendo-se, entretanto, todas as despesas em nome da pessoa física. Com isto existe uma tendência a que a pessoa física apresente prejuízos ou lucros menores, ao passo que a pessoa jurídica, optante pelo regime do lucro presumido, tributará essa receita em percentuais menores do que os que incidiriam caso a produção fosse tributada na pessoa física.
É o que exemplificam, simplificadamente, as tabelas abaixo:
1. Sem Implantação do Planejamento
Receita pessoa física R$ 1.500.000,00
Despesas pessoa física R$ 1.250.000,00
Resultado atividade rural R$ 250.000,00
Imposto a pagar* R$ 68.750,00
* Utilizou-se a alíquota de 27,5% sem deduções para simplificar o cálculo.
2. Com Implantação do Planejamento
Receita pessoa física R$ 1.200.000,00
Despesas pessoa física R$ 1.250.000,00
Resultado atividade rural (-)R$ 50.000,00
Imposto a pagar pessoa física R$ 0,00
Receita pessoa jurídica R$ 300.000,00
Impostos a pagar pessoa jurídica R$ 6.840,00
Economia no processo R$ 61.910,00
Notem que no cenário dois a receita da pessoa física diminui na mesma proporção em que aumenta a receita da pessoa jurídica, mantendo-se inalteradas as despesas daquela. É justamente nessa diferença que reside o ganho do produtor, uma vez que na pessoa jurídica optante pelo lucro presumido essa receita será tributada em apenas 2,28% (a depender das condições e dos produtos comercializados).
holding
A Affectum há muito tempo recomenda e implanta este planejamento junto aos clientes que assessora, desde os tempos em que fazê-lo não gerava nenhum tipo de ganho tributário ao produtor. Essa arquitetura tributária tem origem na constituição de sociedades holding cuja finalidade era o planejamento da sucessão nos negócios rurais. Com a constituição da holding a pessoa jurídica passava a ser proprietária dos imóveis, mas era preciso viabilizar a manutenção da exploração em nome da pessoa física, seja por razões creditícias, seja porque a pessoa física continuava a ser titular dos bens móveis, maquinário, animais, etc.
A solução para isso era ceder as propriedades à pessoa física de um ou mais sócios mediante contrato de parceria, tal como demonstrado na tabela acima. Na época, entretanto, a tributação incidente na pessoa jurídica (pelo lucro presumido) era ligeiramente superior à incidente na pessoa física, de modo que não havia vantagens tributárias, apenas resolviam-se os problemas creditícios e a questão da utilização do maquinário e demais bens não integralizados na empresa.
Foi somente em 2004, com o advento da suspensão do PIS e da COFINS para determinados produtos agrícolas e pecuários, entre os quais arroz, soja e carne bovina, que este tipo de planejamento passou a trazer ganhos de ordem tributária e, em alguns casos, passou a ser utilizado de forma autônoma, ou seja, fora do contexto do planejamento sucessório.
Em que casos é indicado:
Ao adotar um planejamento tributário desta natureza é importante que o produtor adote uma série de cautelas necessárias a não desconsideração dos atos por ele praticados pela Receita Federal, redundando em multas e autuações de grande vulto. A mercantilização de modelos de planejamento tributário em outros setores da economia já acarretou grandes prejuízos a empresas sadias que foram vítimas de promessas de ganhos fáceis.
Ao nosso sentir, a utilização deste planejamento tributário de forma dissociada do contexto de um planejamento sucessório ou societário dentro do qual exista um real propósito negocial para a constituição da pessoa jurídica e realização do contrato de parceria oferece riscos aos produtores que dele fizerem uso. Isso porque a Receita Federal, com a concordância do Poder Judiciário, tem entendido como um dos requisitos de validade dos planejamentos tributários adotados pelos contribuintes a existência de uma motivação extra tributária, sob pena de autuação. Por isso é importante documentar e produzir a prova necessária e evitar esse tipo de interpretação por parte do fisco.
Além disso, é de suma importância que o produtor e seus responsáveis contábeis e financeiros recebam toda a orientação necessária a manter a rotina de seus respectivos setores fiel e fidedigna com aquilo que está contratualmente previsto, evitando com isto a alegação de simulação. Os lançamentos contábeis e a movimentação financeira devem estar alinhados e coerentes com todo o planejamento.
Conclusão
Feito da maneira correta e adotadas todas as cautelas necessárias, entendemos que tal modalidade de planejamento tributário é de fato uma boa oportunidade para o produtor rural maximizar seus ganhos e alavancar o negócio. Adotar o planejamento tributário menos oneroso ao seu negócio é obrigação e dever de todo gestor, que deve reiteradamente analisar as possibilidades que a legislação e a legalidade lhe oferecem, tomando cuidado sempre com as promessas de ganhos fáceis e soluções miraculosas.
Ricardo Paz Gonçalves