Mais impostos e menos serviços
As consequências para o setor produtivo do aumento de ICMS promovido pelo governo Sartori para remediar a gravíssima crise fiscal porque passa o governo do Estado são óbvias e previsíveis: aumento da inflação e dos custos de produção, diminuição da renda dos produtores e das margens de lucro dos empresários, retração e fuga de investimentos, perda de competitividade, etc. Não resta dúvida que o remédio é amargo, mas será que ele resolve de fato, o problema?
É óbvio que não!
Não resolve porque não existe uma relação de causa e efeito entre a crise financeira do Estado e as atuais alíquotas de ICMS. Dito de outro modo, significa dizer que o Estado não está hoje em crise financeira porque temos alíquotas de ICMS baixas, ao contrário disto temos uma carga tributário sufocante, digna de países de primeiro mundo que entregam serviços de altíssima qualidade a seus cidadãos.
O agravamento de uma distorção evidente que é o tamanho da carga tributária que sufoca a iniciativa privada jamais será a saída para resolver um outro problema que é a irresponsabilidade dos governantes que historicamente gastam mais do que arrecadam.
Arrecada-se muito e gasta-se mais ainda, não é preciso grandes estudos para chegar a tal conclusão. Apenas a folha de salários responde por mais de 75% da arrecadação do Estado. Hoje para cada 100 servidores na ativa o Estado tem 120 aposentados e pensionistas. São 10 bilhões de reais gastos com a previdência! O grande contrassenso é que toda essa fortuna gasta em funcionalismo serve para nos fornecer serviços públicos de péssima qualidade, em geral prestados por servidores públicos mal remunerados.
É notório que o aumento do ICMS é uma medida paliativa que servirá tão somente para postergar uma solução definitiva para o problema. A meu ver, no contexto de recursos limitados em que vivemos, o único caminho racionalmente viável para a solução do problema seria enfrentá-lo com desapego às questões ideológicas e partidárias, privilegiando o pragmatismo e priorizando o atendimento das questões mais essenciais.
A dificuldade por trás disto é que ninguém quer perder. Em cada feudo corporativista montado nos escaninhos de nossa colossal estrutura estatal residem interesses que tornam o Estado um fim em si mesmo. Sim, pois se 75% de nosso orçamento não são suficientes para nos prestar serviços de qualidade, só posso concluir que esse dinheiro serve apenas para retroalimentar uma máquina cuja maior finalidade é se auto sustentar.
Assim vivemos situações inusitadas: Não temos policiais nas ruas mas não podemos abrir mão de uma Fundação Zoobotânica. Não temos escolas nem conseguimos remunerar dignamente nossos professores mas mantemos uma companhia de artes gráficas. Nos falta hospitais e médicos para as mazelas da população, mas dispomos de uma companhia de armazenamento de grãos. Os exemplos são muitos.
Antes tínhamos uma carga tributária elevada que resultava em serviços estatais pífios. E estava ruim! A novidade agora é que temos que pagar muito mais apenas para reestabelecer os serviços pífios que eram prestados, pois do contrário nem aquilo teremos mais
Muitos vislumbram no combate a sonegação a solução para o problema. Estima-se que no Brasil a sonegação corresponda a 13,4% do PIB. Número considerado alto se comparado a outros países em desenvolvimento como Argentina e México (6,5% e 2,4% respectivamente). A primeira vista parece realmente estar ai o problema, mas não me parece que isso resista a um olhar mais acurado.
Em primeiro lugar é preciso ter em mente que a decisão por sonegar leva em conta dois aspectos fundamentais: a probabilidade de ser pego, e a consequência de ser pego. Em relação a probabilidade de ser pego acredito que o Brasil tem feito um trabalho bastante competente. As administrações tributárias federal, estaduais e, aos poucos, as municipais, tem se modernizado e apertado o cerco contra os sonegadores. Já quanto a consequência de ser pego não se pode dizer a mesma coisa.
Não só temos uma legislação frouxa contra quem sonega como vemos um recorrente estímulo governamental a quem o faz. Prova disto é o mais recente programa estadual de regularização de débitos proposto pelo governo estadual (REFAZ) que isenta parcialmente de multa e juros quem deve ao Estado. A União adota a mesma prática de forma reiterada, de tal forma que já se institucionalizou em nossa cultura empresarial o conhecimento de que os impostos não pagos ou sonegados podem ser adimplidos posteriormente através de uma regalia estatal.
Porém o aspecto mais relevante é que temos uma carga tributária próxima a 40% do PIB. Se somarmos esse número ao percentual sonegado chegaremos a estratosféricos 53% de carga tributária! Número muito superior ao de países campeões em carga tributária como Dinamarca e Suécia onde a carga tributária é próxima a 45% do PIB. Conclusões: 1) nossa legislação tributária é, por assim dizer, “calibrada” para compensar a sonegação; 2) já estamos muito próximos do limite que separa a tributação do confisco.
Se não houvesse sonegação as alíquotas dos impostos teriam de ser recalibradas sob pena de configurarem verdadeiro confisco. A sonegação faz com que no Brasil haja muita gente pagando imposto no lugar de “espertos” que se valem da nossa cultura de leniência, e o combate à sonegação, portanto, seria um bem-vindo remédio para redistribuir nossa carga tributária e tornar mais justo nosso sistema. Mas não resolveria o problema dos governos irresponsáveis que gastam mal e além do que arrecadam.
Por fim, uma série de outros aspectos entrariam nessa equação como a complexidade de nossos tributos que levam muitas vezes a sonegação involuntária e o fato de o próprio Estado ser um contumaz mal pagador, dando ele próprio o mau exemplo. Mas tudo isso somente reforçaria de maneira redundante a convicção de que o simples aumento de impostos não é a saída para nossos problemas. “Se colocarem o governo federal para administrar o deserto do Saara, em cinco anos faltará areia”, essas palavras, de Milton Friedman, nos dão uma pista bem mais precisa da origem do problema.
Ricardo Paz Gonçalves