Problemas de ICMS-ST, à luz da decisão do STF
Não vou mentir, eu gosto de política. Gosto das articulações, das declarações à imprensa, do jogo de palavras e principalmente das diferenças de discurso entre aquilo que se vê antes de eleger o candidato e depois do mesmo ter sido eleito. Lembro-me que na última eleição para a prefeitura que aconteceu na minha cidadezinha, o candidato vencedor não imaginava que ia ganhar a eleição. Depois do resultado da vitória do mesmo, conversei com um dos seus assessores sobre os planos de governo do novo prefeito e quem faria parte do seu secretariado, ao que ele me respondeu:
” Ganhamos a eleição, agora vamos ver o que vamos fazer…”
Ou seja, por mais que o candidato pudesse ter boas intenções, aparentemente ele não fazia a menor ideia do que aconteceria agora que vencera o pleito. Da mesma forma, a decisão do STF sobre o ICMS-ST no final de 2016 trouxe à tona uma série de dúvidas aos contribuintes e aos fiscos estaduais. Para relembrar, a decisão deu ao contribuinte o direito de confrontar a base de cálculo do ICMS-ST da compra da mercadoria para revenda, com o preço praticado ao consumidor final, de modo que caso a base do ICMS de substituição tributária de compra fosse superior ao preço praticado na venda ao consumidor final, caberia ao contribuinte substituído o direito de ressarcir o ICMS retido na etapa anterior na proporção desta diferença. Mas como fazer isso? A decisão em si respeita o princípio da não-cumulatividade do ICMS, mas talvez não tenha observado a situação do ponto de vista prático da operacionalização no dia a dia das empresas.
Quando o STF tomou esta decisão contrária às suas jurisprudências anteriores sobre o tema, deu-se uma série de questionamentos, quer seja sobre a operacionalização disso, quer seja sobre o posicionamento do fisco sobre o tema.
Meu objetivo com este texto não é firmar nenhum tipo de doutrina sobre o assunto, mas sim elucidar que a decisão do STF talvez possa não ter examinado por completo o tema, trazendo questionamentos sobre o que ocorre no dia a dia das empresas, especialmente as que praticam vendas ao consumidor final.
- Como será realizado o comparativo?
Imagine o seguinte neste caso: um produto foi adquirido por um comércio para ser revendido ao consumidor diretamente da indústria no dia 18/01 por R$ 135,00 de base de cálculo de ICMS de substituição tributária. No dia 22/01, o mesmo produto foi adquirido por R$ 142,00 de base de cálculo de ICMS de substituição tributária e no dia 26/01 o mesmo produto mais uma vez foi adquirido com uma base de ICMS-ST de R$ 139,00. No dia 27, o revendedor vendeu as três unidades do produto ao consumidor final por R$ 138,00.
De acordo com este exemplo, o fisco levou vantagem em duas aquisições, enquanto o contribuinte levou vantagem em uma. Qual deveria ser a base de ICMS de substituição tributária da aquisição para efeitos de confronto com o preço de venda? Nos termos da legislação do ICMS do Rio Grande do Sul, para os casos de outros ressarcimentos de substituição tributária (como aquele que ocorre por saída para estado diverso ao do recolhimento do ICMS-ST, por exemplo), quando não for possível determinar cada base de aquisição com precisão, tomar-se-á por base o valor da última aquisição, independentemente da quantidade adquirida na última compra.
Esse critério pode ser muito eficiente, especialmente para empresas que praticam rápido giro de estoque, visto que os valores de base de recolhimento de ICMS-ST sempre estarão mais atualizados e consoantes com a prática mercadológica. Entretanto, para empresas que detém giro de estoque mais lento, tendentemente haverá prejuízo ao fisco visto que as margens de valor agregado e a inflação do período acabam gerando aumentos constantes na base de cálculo do ICMS de substituição tributária.
- E as aquisições de distribuidores com ICMS retido de etapas anteriores?
Vamos adicionar mais um pequeno problema, considerando o desenho abaixo:
Essa é a cadeia mais comum de recolhimento de substituição tributária, onde o industrial recolhe o seu ICMS e o ICMS dos contribuintes substituídos por toda a cadeia do produto dentro do estado, no caso aqui Distribuidor e Varejo. Para o estabelecimento varejista, no entanto, sem que o mesmo seja devidamente informado pelo distribuidor qual foi a base de retenção do ICMS substituição praticada pela indústria quando da aquisição do produto por parte de seu fornecedor, ficaria impossível estabelecer quaisquer bases de comparação, visto que ele adquiriu a mercadoria sem nenhum destaque de ICMS, conforme podemos observar da figura acima. Na legislação existe a previsão de que o fornecedor que venda a mercadoria com ICMS retido em etapa anterior informe por qual base tal evento aconteceu ao seu cliente, notadamente nos dados adicionais da nota fiscal. Entretanto, essa obrigação é sumariamente ignorada na maioria dos casos, quer seja por falta de estrutura nos sistemas das empresas emissoras das notas fiscais eletrônicas, quer seja por desinteresse comercial dos distribuidores de revelar informações que poderiam ser utilizadas para questionamento dos seus clientes acerca das margens de contribuição praticadas pelo distribuidor, conforme podemos ver na imagem acima. Sem que essas informações sejam devidamente registradas, a decisão do STF é totalmente inócua para este tipo de estabelecimento como o da figura anterior.
- E o que acontece aos varejistas optantes do Simples Nacional?
De fato, também a decisão não analisou o caso dos optantes do Simples Nacional. Vamos supor que o estabelecimento varejista do exemplo acima venha a ser optante do Simples Nacional. É importante dizer que as empresas do Simples concentram toda a sua carga tributária sobre uma única alíquota que contempla todos os impostos mais comuns de uma empresa (ISS, ICMS, IPI, PIS, COFINS, CPP, IRPJ e CSLL), sendo que cada um deles compõe uma “parte” do percentual. Quando há uma venda por parte deste tipo de empresa de mercadorias com retenção anterior de ICMS-ST, no momento do cálculo do DAS – Documento de Arrecadação do Simples – é subtraído do cálculo o percentual do ICMS da tabela. Fica a pergunta: essa decisão abrangeria teoricamente contribuintes deste modalidade? Se sim, como?
- Como funciona a tese para casos de produtos com benefícios fiscais, como os componentes da cesta básica, por exemplo?
Existem diversos produtos no regulamento de ICMS que apresentam duas características simultâneas: Tem algum tipo de redução de base de cálculo e estão sujeitos à retenção do ICMS por substituição tributária. E isso gera uma série de questões: Se a retenção do ICMS-ST foi feita sob uma base reduzida por conta do fato de que o produto está sujeito a benefícios fiscais como o da cesta básica por exemplo, é viável confrontar a base da substituição reduzida simplesmente com o valor contábil da venda?
Esta é uma pergunta a qual cabem diversas interpretações. Antes de mais nada, é importante verificar se o benefício fiscal do produto em si perpetua-se por toda a cadeia ou está restrito a uma determinada operação. Caso o benefício esteja restrita apenas às etapas anteriores a esta operação, o confronto deve ser feito de fato entre a base de retenção e o preço de venda, haja vista que se o produto fosse tributado normalmente (ou seja sem substituição tributária), não teria quaisquer redução de base de cálculo na venda do varejista ao consumidor final e tampouco a redução na base de cálculo seria realizada sobre a base de cálculo do ICMS de substituição.
O problema é quando temos um produto que tem benefício fiscal por todas as etapas da tributação, como aqueles que são da cesta básica. Se o produto teve sua base de retenção reduzida pelo benefício fiscal, é cediço dizer que se o mesmo não estivesse na sistemática de cobrança por ICMS de substituição tributária, também teria redução de base de cálculo pela venda. Assim sendo seria viável o mero confronto entre o valor de venda e a base de retenção? A primeira vista não, e portanto, a comparação deveria considerar o valor de venda com o percentual de redução de base de cálculo.
Enfim, muitas são as perguntas, ainda mais que o fisco ainda não adaptou-se à esta decisão. Já existem possibilidades de análise para a empresa verificar a sua situação, antes de sair correndo ao judiciário, de modo a evitar maiores transtornos.