Remuneração por capital e remuneração pelo trabalho
Um dos conceitos e práticas mais difíceis de serem trabalhadas e implementadas nas sociedades familiares consiste na separação entre remuneração por capital e remuneração pelo trabalho. Empresas familiares em geral tem um forte apego e extremada valorização ao trabalho, pois nascem e se desenvolvem disso. Nelas não se cogita que alguém possa ser remunerado sem trabalhar. Nos negócios rurais, em especial, com que lidamos com mais frequência, há um distanciamento abissal entre a realidade e os conceitos aqui apresentados.
Remuneração por capital consiste na retribuição ao sócio pelo investimento pessoal realizado e/ou mantido na empresa. Considerando que as quotas ou ações tem um valor patrimonial, já que representam uma parte da empresa, é justo que o sócio receba uma retribuição para não retirar esse investimento da empresa. A remuneração por capital é feita na forma de lucros ou dividendos, juros sobre capital próprio ou pela própria valorização da empresa, que embora não realizada financeiramente, representa acréscimo ao patrimônio do sócio.
A remuneração pelo trabalho, como o próprio nome sugere, consiste na contraprestação pecuniária aos serviços prestados pelo sócio em favor da sociedade. É uma espécie de “salário”, porém com o nome de pró-labore. A remuneração pelo trabalho pode se dar ainda através da participação nos lucros. Em ambos os casos a remuneração percebida pelo sócio deve atender a critérios de mercado e recompensar seus méritos e competências.
Os conceitos não são complexos, o difícil é a prática. Ocorre que nas sociedades familiares os desafios a serem superados são imensos. O primeiro deles é trazer à compreensão da família que ser sócio de uma empresa não é um emprego, mas sim um investimento e que o sócio merece ser remunerado a despeito de seu trabalho. A não aceitação disso costuma desencadear duas consequências danosas às empresas, a saber: ou a invenção de cargos para familiares incompetentes, cuja presença em geral causa mais problemas do que benefícios; ou a retirada de familiares da sociedade com brigas judiciais caras e desgastantes, descapitalização da empresa ou pulverização da propriedade.
Outro obstáculo, não menos difícil de ser superado, é a tendência dos pais a proteger os filhos menos aptos aos negócios e a tratá-los com igualdade. Tratar os filhos de maneira igualitária é quase um instinto maternal e paternal, mas com o tempo e no ambiente dos negócios essa postura tende a gerar frustração naqueles que tem mais potencial e, consequentemente, conflitos entre irmãos.
No agronegócio, em particular dentre os produtores rurais onde a centralização e o paternalismo se sobressaem, é muito comum encontrar cenários onde sequer há divisão entre o caixa do negócio e o caixa da família. A mesma conta corrente que paga fornecedores paga as contas de toda a família, incluindo por vezes “mesadas” repassadas a filhos que, não raro, já beiram os 40 anos. Nesse contexto as frustrações e conflitos são uma questão de tempo.
A definição dos valores e percentuais, seja de pró-labores, distribuição de lucros ou participação nos resultados, embora gere atritos, é uma tarefa necessária à compatibilização de interesse e sustentabilidade do negócio familiar. A definição de parâmetros de mercado para pró-labores não é tão fácil quanto parece, e entre irmãos o ciúme e a aceitação de lideranças costuma ser espinhosa. O mesmo ocorre com a pressão por dividendos versos a necessidade ou interesse por investimentos, temas que demandam regramento e diálogo constante, mas cuja prática gera resultados duradouros.
Ainda mais complexa e critica é a situação de sociedades que acomodam em si mais de uma geração. São comuns sociedades em que as gerações mais velhas veem-se sem perspectivas de “aposentadoria”, pois a empresa não tem uma política de distribuição de dividendos. Resultam disso sócios desmotivados e cuja permanência na empresa resulta em um desestímulo aos mais jovens.
O único caminho capaz de conciliar estes conflitos típicos das sociedades familiares é a profissionalização. Não a profissionalização da gestão, campo onde a própria família empresaria é pródiga em encontrar caminhos e soluções, mas sim a profissionalização da família. Preparar o familiar para ser sócio é tão importante quanto preparar o gestor para administrar a empresa. Para tanto é preciso conscientização e capacidade de abstrair o dia-a-dia do negócio para pensar na sua capacidade de sustentar-se e servir aos interesses de todos, com a criação de regras e instrumentos jurídicos que assegurem sua aplicação.
A este caminho damos o nome de governança corporativa, que é um dos pilares da sustentabilidade da sociedade familiar. A questão da remuneração, capital e patrimônio é um dos temas abordados em seu escopo, e embora pareça algo distante, essa prática é aplicável e adaptável a diversos tipos e tamanhos de negócios e tem se mostrado a única capaz de trazer tranquilidade, prosperidade e perenidade para família, sociedade, negócio e patrimônio.
Ricardo Paz Gonçalves
Advogado, Diretor da Affectum – Auditoria e Consultoria Empresarial
Diretor da SPGonçalves Advocacia Empresarial