Um exemplo de modelo de governança aplicável a empresas rurais
Ricardo Paz Gonçalves Ricardo Paz Gonçalves

Um exemplo de modelo de governança aplicável a empresas rurais

Publicado em 3 de agosto de 2016

Sempre dizemos que modelos de governança corporativa para empresas familiares devem ser construídos sob medida para a família com quem trabalhamos. Isso cria uma certa dificuldade de a família entender como as coisas vão funcionar, e por isso, uma resistência a aderir e submeter-se ao processo.

Para contornar essa dificuldade é importante demonstrar modelos que serviram para outras famílias e demonstrar como as ferramentas foram usadas para resolver problemas pontuais encontrados naquele caso concreto. Evidentemente que aquele que olha este modelo deve ter em mente que dificilmente ele será plenamente aplicável a outro caso concreto, a ideia é apenas entender como as decisões são tomadas e como as ferramentas são usadas.

As ferramentas utilizadas no modelo que demonstramos abaixo são normalmente utilizadas na maior parte dos casos, porém devidamente adaptadas as peculiaridades de cada um. Neste caso concreto de uma família cujo nome vamos preservar em razão de sua privacidade, estamos falando de produtores rurais proprietários de imóveis rurais com aptidão para pecuária, soja e arroz. A família é composta pelos pais e três filhos, sendo que apenas um dos filhos atua na atividade, os demais são profissionais liberais com carreira própria.

Affectum

 

 

Protocolo familiar

Um documento chamado protocolo familiar registra o compromisso dos membros da família em torno de agendas comuns que foram identificadas em entrevistas e reuniões com eles.  Entre esses compromissos, nesse caso concreto, haviam duas ideias aglutinadoras: 1) manutenção da integridade da estrutura produtiva ou pacto pela não divisão da propriedade; e 2) compromisso com a profissionalização.

A primeira ideia se fundamentava no entendimento da família de que a manutenção da integridade da propriedade era fundamental para que o patrimônio familiar pudesse se perpetuar, crescer e servir a outras gerações.  Uma decorrência deste compromisso é a cláusula contratual que estipulava critérios para a eventual retirada de um dos familiares do negócio através de pagamentos anuais correspondentes a uma métrica fundada na rentabilidade do negócio, que viabilizasse a retirada do sócio sem comprometer o negócio.

A segunda ideia, de profissionalização, tinha como pressuposto a necessidade de que o negócio fosse conduzido e gerido com base em critérios e práticas racionais e de mercado, e não afetado pelos relacionamentos dos sócios e pelos sentimentos familiares que os permeavam. Uma decorrência deste compromisso é a estipulação de regras para prestação de contas, critérios para ingresso de familiares na empresa e remuneração adequada para sócios e para aqueles que trabalham no negócio.

Holding familiar

A constituição da holding familiar atende a vários propósitos neste caso concreto, tais como, facilitar e baratear a transmissão de patrimônio, garantir a não pulverização da propriedade, reduzir a carga tributária da exploração, criar todo o regramento de saída de sócios, etc. A holding é um eixo que permite adequar todas as regras aos interesses da família, viabilizando alternativas que seriam impossíveis no contexto da pessoa física. Neste caso concreto a estratégia de transmissão de patrimônio, posteriormente efetivada, foi a doação as filhos, com reserva de usufruto ao casal e com as cláusulas de incomunicabilidade e impenhorabilidade, das quotas da holding que passou a ser proprietária do imóvel rural.

Acordo de sócios

É uma espécie de extensão do contrato social e contém regras pormenorizadas dos temas que constam no próprio contrato, além de outros temas de foro íntimo cuja publicidade é desnecessária. Nele são tratadas uma serie de questões que podem gerar conflito entre os sócios e para os quais de antemão são estabelecidas regras e condutas.

Prestação de contas, ingresso de sócios, regimes de casamento dos sócios, periodicidade e formato de reuniões, interferência de agregados, uso de bens da empresa, alçadas de decisão, entre outros temas são esmiuçados e regrados neste documento.

Conselho de sócios e diretoria executiva

São dois órgãos que são criados pelo contrato social e pelo acordo de quotistas e representam a estrutura de poder da sociedade. O conselho de sócios é o órgão máximo que elege os administradores e a quem eles prestam contas de seus atos. Neste caso concreto os pais reservaram-se no direto de deter a administração vitalicia e o poder de veto quanto a qualquer deliberação no conselho, de sorte que na prática o conselho, enquanto os pais forem vivos, funciona mais como um exercício de convivência societária e de educação corporativa para os familiares.

Mas o Conselho tem o importantíssimo papel de ser o legítimo herdeiro dos fundadores no comando dos negócios. Através dele sócios compreendem que ninguém é dono sozinho e administradores compreendem que exercem um poder delegado, sujeito a prestação de contas e apresentação de resultados.

Atividades operacionais

Por razões particulares os pais, fundadores do negócio, reservaram-se o direito de exercer diretamente, através da própria pessoa jurídica que do ponto de vista tributário representava a alternativa menos onerosa, a atividade pecuária. A atividade agrícola foi exercida pela pessoa jurídica em regime de parceria com o filho que trabalhava nesta atividade.

O contrato de parceria continha termos que eram mutuamente favoráveis as partes. Para o filho que exercia a atividade representava a garantia de ser remunerado na medida de sua competência e ainda a certeza de que o trabalho que realizava na propriedade enquanto os pais estavam vivos, não seria perdido por uma divisão injusta ou que inviabilizasse investimentos vultuosos como silos e barragens. Para os demais irmãos representava uma remuneração adequada pela cessão da posse da terra a alguém de confiança e comprometido com a preservação do patrimônio. Alguém com quem compartilhavam uma visão de longo prazo.

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