ICMS e o Transporte de Cargas, Parte II
Luis Kobielski Luis Kobielski

ICMS e o Transporte de Cargas, Parte II

Publicado em 10 de outubro de 2012

Da (não) incidência do ICMS nos serviços de transporte rodoviário de cargas destinadas ao exterior

 

Em artigo recentemente publicado manifestamos nosso entendimento e lançamos o alerta acerca das graves divergências e distorções que envolvem a não-cumulatividade do ICMS quando aplicada ao segmento de transporte rodoviário de cargas. Chegamos a afirmar que em relação a este aspecto há muito pouco consenso entre fisco, tribunais e contribuintes.

Ganhador do prêmio Nobel de Física e tido pela comunidade científica como o mais memorável físico de todos os tempos, atribui-se a Albert Einstein a célebre frase segundo a qual “a coisa mais dura de entender no mundo é o Imposto de Renda”. Arriscamo-nos a afirmar sem medo que, apesar de desvendar alguns dos mais profundos mistérios do universo, ao cunhar a frase o gênio alemão não tinha a menor noção da capacidade do brasileiro para criar tributos complexos. E se conhecesse esta capacidade, certamente reveria sua frase. Quiçá diante de tal complexidade revisse algumas de suas teorias.

Do ponto de vista fático a questão que em breves linhas abordamos neste artigo não é complexa: trata-se da incidência do ICMS sobre a operação de prestação de serviços de transporte rodoviário de cargas quando o destino da carga é o exterior e o tomador do serviço situa-se no território nacional.

Nesta circunstância o equívoco mais óbvio e comum praticado pelas empresas é interpretar que esta operação encontra-se abrangida pela imunidade tributária, de origem constitucional, concedida às operações de exportação. O equívoco consiste em não diferenciar a operação de circulação de mercadorias – essa sim protegida pela imunidade – da operação de prestação de serviços, que no exemplo é uma operação interna, muito embora o serviço termine em território estrangeiro. Note que em um caso há ingresso de divisas – exportação da mercadoria – e no outro caso não há – serviço de frete. Neste sentido já se manifestou o STF em mais de uma oportunidade (v.g. RE 340.855/2002). O que a Constituição ampara com a imunidade, portanto, são os serviços prestados a destinatários no exterior, e não serviços que destinam mercadorias ao exterior.

Poderia alguém perguntar: se o tomador da operação de frete é doméstico, o destino da carga é o exterior e a operação não está protegida pela imunidade, então incide o ICMS, certo?… Errado! É que a Lei Complementar 87/96, que regulamenta o ICMS, conhecida por Lei Kandir, dispõe, com amparo Constitucional, que o imposto não incide sobre operações e prestações que destinem mercadorias ao exterior. Este dispositivo legal é mais amplo que a imunidade Constitucional e isenta do imposto sempre que a prestação de serviços, ainda que interna, destine mercadorias ao exterior.

Para a Lei Complementar, portanto, é irrelevante se o tomador do serviço é interno ou do exterior, bastando que o destino da mercadoria esteja no exterior para que fique a operação isenta do imposto. Com base nesta distinção, o STJ entendeu que é isento de ICMS o serviço de transporte que destine mercadoria ao exterior, ainda que o tomador do serviço esteja localizado no país (MC 7.584/MT j.2006).

Assim, na operação de transporte em comento, a Constituição não afasta a incidência do imposto, mas a lei afasta. Aquele “alguém” então voltaria a perguntar: significa dizer que “dá na mesma” certo?… Mais uma vez errado! Não “dá na mesma” porque a imunidade – que decorre da Constituição – difere da isenção – que decorre da lei – na medida em que aquela permite ao contribuinte manter os créditos através de um benefício conhecido como “benefício do não estorno”, enquanto que esta compele o contribuinte a estornar os créditos na proporção das saídas isentas ou não tributadas.

Significa dizer que na hipótese de uma transportadora ter 50% de suas operações destinadas ao exterior com tomador doméstico, e 50% de operações internas tributadas, ela terá que estornar, ou seja, anular, a metade dos créditos de ICMS decorrentes da compra de combustíveis ou do ativo imobilizado, por exemplo, apurados no período.

Com base nisso tudo e ainda com base nas legislações estaduais que regem a matéria, é possível distinguir pelo menos vinte hipóteses de operações de transporte rodoviário de cargas cujas distinções são tributariamente relevantes para fins de ICMS. Ocorre que a origem da mercadoria, o destino da mercadoria, a localização do tomador do serviço e ainda a situação tributária e cadastral do tomador do serviço irão influenciar ou modificar aspectos relativos à alíquota, incidência ou direito ao crédito do imposto.

Adaptar-se a este contexto, cuja complexidade muitos administradores desconhecem e que influencia – para o bem e/ou para o mal – o próprio resultado da empresa, submetendo-as muitas vezes a riscos ou privando de oportunidades que desconhecem, é um fator que pode diferenciar aqueles que prosperam daqueles que sucumbem ao nosso paradoxal panorama econômico, de muitas oportunidades e de grandes dificuldades.

Se tudo isso parece complicado, é porque não abordamos aqui a incidência e o direito ao crédito de PIS e COFINS nas operações de transporte rodoviário de carga. Mas isso já seria assunto suficiente para muitas outras laudas.

Ricardo Paz Gonçalves

Advogado

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